Novo Horizonte Anarquista

2020/06/27

Batalha da Praça da Sé – A versão dos anarquistas

Filed under: — novohorizonteanarquista @ 20:15

Batalha da Praça da Sé – A versão dos anarquistas sobre a “revoadas dos galinhas verdes” e o movimento antifascista em São Paulo.

 

    Em 7 de outubro de 1934 os antifascistas de São Paulo infligiram uma grande derrota para os integralistas, naquela que ficou conhecida como a “batalha da praça da Sé” ou “revoada dos galinhas verdes”. Nesta data os integralistas haviam dito que fariam uma grande manifestação, a “marcha sobre São Paulo”, parafraseando Mussolini. Sete pessoas morreram e mais de trinta ficaram gravemente feridas.
    Com a debandada dos “camisas verdes” e o sucesso da contra manifestação entretanto, surgiram e continuam a serem reproduzidas versões polêmicas. Este artigo busca, através de documentos da época e registros de depoimentos posteriores, resgatar a versão dos anarquistas sobre os fatos.

 

    Precendentes:

    A imigração italiana para o Brasil era massiva no final do século XIX e início do XX, sendo a Itália o país de origem que mais imigrantes trouxera naquelas décadas. O próprio movimento anarquista e o sindicalismo eram muito marcados pela presença de italianos, além de outros imigrantes e de brasileiros. Apesar do problema secular do racismo no Brasil, o fenômeno internacional do fascismo, propriamente dito, corporificando-se inicialmente na Itália e na Alemanha, naturalmente teve no operário imigrante suas primeiras repercussões.
A partir de 1922, Mussolini já havia assassinado muitos opositores, ninguém lembrava seus discursos socialistas e havia criado uma poderosa aviação – a grande propaganda fascista.
O fascismo se volta para o Brasil onde muitas entidades italianas são cooptadas para a propaganda. Um discurso do cônsul italiano Mazzolini, chefe dos “camisas pretas” diz: “A pátria tem aqui sua décima legião, o regime tem aqui sua velha guarda, a nação fascista tem aqui uma parte de si mesma”. O estribilho é Deus, Pátria e Família, é de data antiga.
(…) A cartilha fazia a cabeça das pessoas e crianças, dizendo que os caboclos, mestiços, índios, gaúchos etc… eram de raça inferior. Comícios, passeatas, manifestações eram feitas quase que diariamente. (CUBEROS, Jaime, 2015. p. 204)
    Mussolini enviou à São Paulo o deputado Luigi Freddi, que assumiu a direção do jornal Il Piccolo. O jornal era do empresário fascista Rodolfo Crespi, fundador do colégio Dante Aliguieri. Poucos conhecem o desconcertante passado do tradicional colégio paulista, de mesmo nome, conhecido pelo seu caráter rígido. Neste colégio era muito presente a saudação típica da mão estendida e professores italianos foram enviados e subsidiados pelo governo de Mussolini. (MALIN, Mauro. 2011)
    Em 1928 dois aviadores fascistas atravessaram o Atlântico e um evento foi organizado em sua homenagem. Alcoolizado e empolgado, um aviador morreu ao resolver voar novamente e derrubar o seu avião no mar. Seu colega sobreviveu sem muitos ferimentos. Um artigo de Maria Lacerda de Moura no jornal O Combate viria a enfurecer os fascistas de São Paulo, o Il Piccolo e outro jornal chamado Fanfulla. A educadora e escritora anarquista escreveu “um artigo corajoso, honesto, irreverente, comparando o delírio aviatório-militarista de um Del Prete alcoolizado ao humanismo e à ciência de um Amundsen” (CUBERO, Jaime. 2015, p.204)
    Os debates nos jornais durariam dias e levariam as vias de fato quando Il Piccolo faz ameaças a libertária. Estudantes revoltados saíram as ruas em protesto contra o fascismo e se dirigiram a sede do jornal. Apesar dos tiros de revólver, vindos do segundo andar, quebraram a fachada do edifício, os móveis e as instalações, mas a polícia conseguiu agir a tempo de proteger as oficinas.

 

Desenho de Mussolini em A Plebe. 5 de julho de 1924.

 

    Em seguida a multidão fez um comício de protesto na Praça Patriarca, onde foi aumentando de número. Durante esse comício, a polícia se concentrou junto ao Fanfulla. A multidão voltou, em seguida, ao Il Piccolo onde, vencendo a proteção da polícia, destruíram tudo, jogando as máquinas e arquivos na rua e incendiando também o edifício. “O grupo enchia a Praça dos Correios, o viaduto Santa Efigênia e o parque do Anhangabaú, assistindo ao incêndio.” (CUBERO, Jaime. 2015, p.206)
    Uma grande estátua em homenagem aos aviadores, enviada por Mussolini e inaugurada em 1929 pela Sociedade Dante Aliguieri, ostenta até hoje símbolos fascistas na cidade de São Paulo. A escultura “Heróis da travessia do Atlântico” ficou entre 1987 a 2009 na praça Nossa Senhora do Brasil, no lado oposto ao da paróquia, no cruzamento entre a Av. Brasil e a Av. Europa. Em 2009 a estátua voltou ao seu local original, junto a represa Guarapiranga. A estátua possui dois grandes fascios, machados romanos que deram origem ao nome e ao símbolo do fascismo.

 

Estátua fascista na Av. Europa. Fonte: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Monumento_aos_Her%C3%B3is_da_Travessia_do_Atl%C3%A2ntico

 

    Na década de 30, marcada entre outras coisas pelo advento do rádio em larga escala, muitos países assistiriam a ascensão de estados totalitários e populistas. Itália já era uma ditadura com Mussolini, Alemanha assistiaria as chamadas “instituições democráticas” serem substituídas por um ditadura centralizada na figura de Hitler enquanto a União Soviética se tornava um estado totalitário e centralizado na figura de Stálin. No Brasil, Getúlio Vargas chegaria ao poder, com um golpe de estado já no final de 1930, mas ainda viria a acirrar o regime ao longo dos anos.

 

Integralistas e um padre. fonte: https://www.todamateria.com.br/acao-integralista-brasileira/

 

    Edgar Rodrigues menciona que em São Paulo, ainda no governo de Washington Luiz, em 1930, houve uma prisão de antifascistas na Faculdade de Direito, de onde teriam sido levados para a bastilha do Cambuci e um ataque a um Congresso Antifascista no Rio de Janeiro. A Bastilha do Cambuci tinha celas apelidadas de cofres, de diversos tamanhos e alturas, com água fria espirrando e uma escada eletrificada para torturas. Foi invadida e destruída pela população paulista em novembro de 1930, durante as reviravoltas políticas que levariam Vargas ao poder. (CATALLO, Pedro abud. RODRIGUES, Edgar 2005 p.87 e 88.)
    Em 1932 foi fundada, por Plínio Salgado, a Ação Integralista Brasileira (AIB), versão tupiniquim do fascismo, transformada em partido político no ano seguinte.
    O jornal anarquista A Plebe, em seu número 19, de novembro de 1932, registra uma palestra organizada por um grupo socialista em São Paulo. O evento era em prol da memória de Giacomo Matteoti, deputado assassinado por fascistas depois de denunciar farsas nas eleições de 1924 e de Errico Malatesta, importante anarquista italiano, que falecera já bem idoso, em prisão domiciliar, em 1932, mas que tivera sua oficina destruída pelos fascistas 10 anos antes. A família de Matteoti estava impedida de sair da Itália. O socialista Francesco Frola, o anarquista Edgard Leuenroth e Maria Lacerda de Moura fizeram uso da palavra. (RODRIGUES, André. 2017, p.87)

 

integralistas em reunião 1 fonte: https://imagohistoria.blogspot.com/2009/03/era-vargas-3-de-4.html
    Em 1933, no Rio de Janeiro, o integralista e presidente da Academia Brasileira de Letras, Gustavo Barroso havia agredido uma moça antifascista de 16 anos a bengaladas, quebrando seu braço e em Porto Alegre o anarquista Frederico Kniestedt combatia as pretensões nazistas sobre o Brasil no Aktion, escrito em alemão.
    Neste mesmo ano, os anarquistas de São Paulo fundaram o Centro de Cultura Social (CCS), com um nome discreto e visando driblar os cerceamentos aos direitos de reunião, organização e expressão. A ditadura de Vargas havia decretado, entre 1930 e 1933, três leis de sindicalização, jogando a atividade sindicalista dos anarquistas na clandestinidade e em algumas ocasiões o regime prenderia muitos militantes de varias correntes políticas opositoras.
    As medidas do ministério do trabalho obrigavam a vinculação de todos os sindicatos ao estado, buscando assim neutralizar seu caráter revolucionário. A limitação não entrava em confronto com as correntes estatistas envolvidas no sindicalismo, como os comunistas e os social-democratas, que logo aderiram. As três décadas anteriores podem ser consideradas como o período maior presença e atividade do anarquismo no Brasil, quando chegou a ser o movimento ideológico de maior repercussão nacional, principalmente entre os trabalhadores, ao mesmo tempo que foram tempos de muita violência estatal.(LEUENROTH, Edgard. 1963)
De toda a sorte de sofrimentos foram alvo (os anarquistas). Perseguições sem conta, assaltos a domicílios, processos, deportações e expulsões, espancamentos e assassínios enchem grandes espaços dos jornais de todos os anos passados; e nas matas da Clevelândia as ossadas dos militantes libertários testemunham a sua dedicação a causa proletária. (LEUENROTH Edgard. 1963, p.108)
    A inciativa do CCS visava criar uma organização anarquista em complemento ao sindicalismo. A “gloriosa” Federação Operária de São Paulo (FOSP), de orientação anarcosindicalista, que já completava quase 30 anos de história, vinha sendo prejudicado pela repressão brutal vigente e pela “ação deletéria dos bolchevistas, que a queriam dominar para transformá-la em instrumento de seus manejos políticos” (LEUENROTH, Edgard 1963. p.108). O CCS tinha importância também como refúgio para arquivos e bibliotecas, uma vez que muitas sedes sindicais, ligas operárias e do proletariado haviam sido devastadas em vários episódios.
    Em 1933 os integralistas estavam crescendo em número e suas manifestações pelo país afora colocavam em alerta aqueles que se opunham aos seus princípios reacionários e métodos violentos. Eles possuíam sua própria milícia, legislação, julgamentos, censura, imprensa etc… Lograram a simpatia e admiração de uma parcela da sociedade brasileira, principalmente entre os ricos. Essa realidade faz parte da história da “nata” brasileira e paulista, muitas vezes omitida ou esquecida. Não se costuma associar, por exemplo, o escritor Monteiro Lobato com integralismo, eugenia ou racismo.
    Entre seus membros, além do líder, figuram pessoas famosas que assinaram seu manifesto, como o “vice-comandante” Gustavo Barroso, presidente da Academia Brasileira de Letras, o jurista Miguel Reale, o banqueiro Walter Moreira Salles e muitos outros famosos. (RODRIGUES, Edgar, 2005. pag. 93)
    Em 19 de maio de 1933 um grupo de integralistas armados invadiu a FOSP, arrombaram a porta da secretaria de sindicatos dos padeiros, construção civil, trabalhadores de moinhos e armazéns, “União dos Canteiros” e dos empregados em cafés, levando vários trabalhadores presos para a central de polícia, onde seriam liberados somente depois da chegada do chefe de polícia, que refutou a existência da suposta ordem para a operação. (RODRIGUES, Edgar. 2005, p.92)
    Muitos jornais e ligas antifascistas também surgiram pelo país. Entre elas o Comitê Antifascista, organizado pelos anarquistas da FOSP, em junho de 1933, em um evento que contou com a presença de José Oiticica. Quatro dias depois o Comitê Antiguerreiro organizado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), seguindo a política de Moscou para a “Internacional Comunista” (Comintern).

 

    A “Frente Única Antifascista” (FUA)

    Em 25 de junho de 1933, um encontro no salão da União Cívica 5 de julho, com diversas correntes políticas, visava a criação de uma frente única contra o fascismo.
Entre os grupos mais expressivos da esquerda paulista, apenas o comitê regional do PCB não participou da inauguração da FUA.
No congresso de inauguração da FUA, os anarquistas propuseram que essa frente de luta fosse formada por meio da união de todos os indivíduos antifascistas e, “sob as bases da mais ampla e completa autonomia das facções, princípios e doutrinas que subdivide os homens em clubes, legiões, partidos e dissidências” (A Plebe, 01/07/1933: 04).
No entanto, o que se constatou por meio da reunião foi que os outros grupos que aderiram à mesma eram correligionários à formação de uma frente única que congregasse os vários partidos e sindicatos de esquerda, e não que fosse formada a partir dos indivíduos antifascistas. Isso, para os anarquistas, era visto como uma incongruência, na medida em que boa parte dessas organizações eram muito pouco expressivas:
“Muitos deles sem projeção na opinião pública, em nada poderiam valer a obra para a qual mais se faz sentir a necessidade de energias e de ação efetivas e, portanto numérica e voluntariosa dos indivíduos que sentem a necessidade de combater o perigo fascista sem cálculos políticos ou partidários” (A Plebe, 01/07/1933: 04).
Os anarquistas e a FOSP, por acreditarem que a FUA deveria ser uma frente de indivíduos antifascistas, e não de grupos e partidos de esquerda, apesar de demonstrarem simpatia para com essa organização, optaram por não participarem dela de forma efetiva.
Mas mesmo não ocorrendo a adesão, os militantes libertários em algumas ocasiões participaram de reuniões antifascistas promovidas pela FUA e pelos grupos que a integravam, e também convidaram os antifascistas vinculados a essa organização a participarem de algumas conferências que foram promovidas pelos próprios espaços anarquistas, como o CCS. (Rodrigues, André ;2017, p.92 e 93)
    Os anarquistas logo denunciariam intenções de se desviar o foco do objetivo inicial daquela organização por meio de manobras que visavam aparelhá-la, ou seja, arregimentar membros obedientes e colocá-los sobre a direção de outras organizações e de seus respectivos objetivos políticos, principalmente eleitoreiros.
    A FOSP criticou duramente, através da imprensa libertária, o caráter enviesado da participação dos partidos presentes na reunião:
Federação Operária de São Paulo Contra a Horda Fascista
(…)
A “Frente Única” Anti-Fascista
Tão vivas foram as manifestações fascistas ultimamente, que as correntes liberais deixaram de sorrir ceticamente e compreenderam que à margem do povo se estava processando uma transformação político-social, que fatalmente redundaria na morte da democracia.
Ainda que tarde, reconheceram a necessidade de agir em defesa das liberdades populares e trataram de recobrar o tempo perdido com uma aliança, uma “frente única” até os que sempre condenaram os libertários e as organizações apolíticas.
Coerentes com nossa conduta e cientes que a defesa da liberdade não é patrimônio exclusivo de determinados indivíduos ou idéias, comparecemos por uma representação devidamente autorizada pelas organizações que integram a Federação Operária de São Paulo, a reunião convocada pelos vários partidos e grupos anti-fascistas desta capital.
De acordo com nossa orientação e com a norma com que até aqui temos seguido, a delegação das organizações, juntamente com os representantes dos jornais libertários, pugnaram e defenderam a ação conjunta de todos os indivíduos anti-fascistas, sob as bases da mais ampla autonomia de facções, princípios ou doutrinas. Não o entenderam assim os promotores da reunião que a outrance queriam a frente única de partidos e organizações sindicais, pelo que os que não estamos de acordo com “frentes únicas” de fachada, nem com compromissos partidários, ficamos à margem da coligação, porém como sempre estivemos, continuaremos na vanguarda das forças que combatem o fascismo em todas suas manifestações e prestaremos incondicional apoio a toda a obra que vise realmente, defender as liberdades conquistadas.
A Federação Operárias de São Paulo, as organizações a ela aderentes e os libertários, prosseguirão ininterruptamente a sua obra anti-fascista e anti-estatal. Como até hoje, no futuro saberão cumprir com sua missão, sem necessidade de rótulos espalhafatosos nem lições absurdas.
Os exemplos de Itália e a Alemanha, são por demais eloqüentes para confiar a defesa apenas as “Frentes Únicas”. A ação anti-fascista diante da terrível realidade que encerra esta nova tática do capitalismo e seus aliados, os governos e o clero, deve manifestar-se de forma eficiente, sem injunções partidárias e sem outros ditames que o da própria consciência, para que não se repita o fato alemão de que 12 milhões de socialistas e comunistas sujeitos a disciplina dos partidos, impedidos de acionar em momento oportuno porque os chefes ainda esperavam que os nazistas os poupassem, da noite para o dia, se encontraram completamente envolvidos por Hitler e seus 500 mil sequazes.
Trabalhadores! – Homens Livres do Brasil.
O fascismo já deu as primeiras arrancadas em nosso país e fácil lhe será dominar se não encontrar na sua frente homens verdadeiramente dispostos a defenderem seus direitos por todos os meios possíveis.
Antes que se inicie a fase violenta, as perseguições, os encarceramentos e os assassinatos, devemos reagir energicamente. As leis cerceadoras da liberdade individual ou coletiva, desrespeitemo-las; as instituições que como o Ministério e os Departamentos Estaduais do Trabalho são instrumentos de fascistização, exijamos seu desaparecimento. Em uma palavra insurrecionemo-nos contra o crime organizado.
O combate ao fascismo não pode ser platônico, não deve limitar-se a comícios ou publicações. Se queremos obter resultados, havemos de entrar na ação prática.
A toda tentativa que visse destruir a mínima parcela de progresso, liberdade ou direitos conquistados, todos os que sinceramente amam a liberdade hão de emprestar-se a impedi-lo, de armas na mão se tanto for necessário.
A Federação Operária de São Paulo, avezada a luta contra os reacionários de toda a casta, estará sempre disposta a ocupar seu posto, por mais perigoso que ele seja.
O Comitê Federal
São Paulo, 5 de Julho de 1933 (A Plebe, 01/07/1933: 04)

 

    A “frente-única” não teria muita adesão e seguiria praticamente inativa, como relatado nas páginas de O Homem Livre, alguns meses após a fundação. (ABRAMO, Fúlvio. 2014, p.38)
    Segundo Eduardo Maffei, os anarquistas participariam de todas as reuniões, inclusive algumas teriam lugar na FOSP, mas não apresentavam muita confiança naquela frente.
Os ácratas, mesmo aparecendo nas reuniões decepcionantes, com o entusiasmo de quem acompanha um enterro, eram unânimes: “El frente unico se hace en la calle“. (MAFFEI, Eduardo. 1984, p.78)
    É importante registrar a presença nas reuniões da FUA, além das organizações sindicais, partidos e comitês, da Liga Contra os Preconceitos de Raça e Religião, do Comitê das Mulheres Trabalhadoras e de uma Frente Negra Socialista.
    O “Comitê Antiguerreiro”, por sua vez, em 23 de agosto organizou um congresso seguido de manifestação de rua. “O evento terminou em conflito com as forças policiais, o que deixou algumas vítimas fatais. Esse entrevero tornou-se, até o assassinato do jovem Tobias Warchavsky, a principal peça de propaganda política do PCB contra a política reacionária ([a reação]) da nova fase do governo Vargas.” (CASTRO; Ricardo Figueiredo de. 2002, p.372 e 373).
    Em 23 de novembro de 1933 o Comitê Antifascista, organizado pelos militantes anarquistas da FOSP convocou “indistintamente todos que aspiram um regime de bem estar e liberdade” para aquele que seria um dos maiores encontros do movimento antifascista, organizado pelo Centro de Cultura Social (CCS):
Anti-Fascistas, Alerta
(Grande Assembléia Geral Anti-Fascista a realizar-se sexta-feira dia 23 às 20 horas no salão Celso Garcia – Rua do Carmo, 23)
Cidadãos, homens livres, pensadores, idealistas, como última arrancada do reacionarismo histórico o fascismo ameaça ruir em todo o mundo os últimos resquícios do direito de pensar. Uma ação firme e decisiva capaz de varrer essa larva peçonhenta e abismá-la nas catacumbas romanas de onde surgir, se faz mister.
Todos, indistintamente todos os que aspiram a um regime de bem estar e liberdade devem comparecer a esta assembléia preparatória a fim de coordenar energias e realizar uma força inconcussa e viril apta a garantir a liberdade de imprensa e de palavra, de pensamento e de organização cujas conquistas hão de possibilitar os debates serenos e atilados de todas as tendências e as idéias que devem reger os destinos da humanidade na senda do progresso e da liberdade.
No Brasil, os arremedos estriônicos e mussolínicos começam a aparecer olfatiando sorrateiramente a ocasião. Nalguns bairros de São Paulo os mensageiros dos “duce” trabalham desesperadamente no recrutamento dos “squadristi” que devem envergar a camisa oliva e iniciar a matança e a destruição fazendo reviver em pleno século XX a invasão dos bárbaros inimigos da ciência e da civilização.
Espera-se de um momento para o outro a terrível “marcha” que deve reduzir ao silêncio toda essa eclosão de novas esperanças que vibram no jovem povo brasileiro, e será uma dolorosa realidade se todos os homens de consciência livre não se organizarem numa avalanche forte que faça respeitar os direitos do homem.
Viva a Liberdade e o Progresso!
Morte ao Fascismo
São Paulo, Junho de 1933
O Comitê Organizado

 

Reunião antifascista no CCS. fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Batalha_da_Pra%C3%A7a_da_S%C3%A9
    A presença foi significativa, com mais de mil pessoas. Integralistas tentaram entrar no salão aos poucos, mas foram expulsos, sobrando alguns menos identificáveis. Em seguida, cerca de 200 tentaram causar tumulto do lado de fora.
    Os antifascistas se organizaram para voltarem em segurança. Depois da reunião, fizeram um grupo de integralistas na praça da Sé recuar até a rua Brigadeiro Luís Antonio, que era considerada a sede dos integralistas.
    Um grupo de trabalhadores que voltavam para o Brás foi surpreendido por fascistas, que se aproximaram atirando de um automóvel, pela rua Rangel Pestana. Quando os trabalhadores, que estavam armados, revidaram os tiros, aproximaram-se mais 3 carros que também atiravam contra os trabalhadores e que mais tarde se verificou serem policiais. O antifascista Agostinho Farina ficou ferido com um tiro de .38 na perna e a polícia enrolou para autorizar que a ambulância pudesse levá-lo. Segundo o jornal “O Homem Livre” o ataque só não foi pior porque o local apresentava uma topografia favorável para o abrigo dos tiros e porque os antifascistas conseguiram se refugiar nas imediações, evitando a prisão. Nesta noite, 17 antifascistas foram presos e barbaramente espancados. (O Homem Livre nº19 ano 1 20/11/1933 abud. Centro de Cultura Social de São Paulo, 2008. p.4 e 5)
    Ligados ao CCS foram presos José Martins, Elias Valente, José dos Santos, Luiz Paparo, Benedito Romanones, Domingos Netto Garcia, Raúl Fernando, Francisco Marino Ortiz, Luiz Trajano Hernandez, José Jarego Martins, Antônio Martins Perez, Elias Eischenthal, Manuel Guimarães Júnior, José Herrera Botelho e Milton Campos, ligados a Liga Comunista Internacionalista (LCI), Joaquim Odas Ruiz e Gastão Massari . (ABRAMO, Fúlvio. 2014, p.41)

 

    Grupo de Choque Anarquista

    Um prontuário do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS), relativo a maio de 1934, aponta a existência de uma organização de segurança operária semiclandestina denominada “Grupo de Choque Anarquista” que, segundo o agente infiltrado, daria “muito trabalho à polícia”. (SAMIS, Alexandre Ribeiro. 2014, Pag.46)
    A compreensão dos libertários, de que a luta antifascista era uma luta de “indistintamente todos que aspiram a um regime de bem estar e liberdade” e o apelo para uma aliança contra o fascismo, no entanto, não altera o programa das outras correntes políticas do antifascismo na cidade, trazendo a tona os velhos conflitos sobre hierarquia ou horizontalidade e sobre centralismo ou autonomia.
    No âmbito do sindicalismo, os desentendimentos com o comunistas, em especial os mais influenciados pelo regime com base em Moscou, já haviam levado, em 1922 ao assassinato do anarquista Ricardo Cipolla, enquanto este atuava em uma peça teatral e em 1928, ao assassinato do sapateiro anarquista Antônio Dominguez e do gráfico José Leite, durante um encontro sindical no qual os comunistas Pedro Bastos e Eusébio Manjon, insatisfeitos com denúncias relativas ao o presidente de uma união sindical, atiraram depois que a luz foi apagada. O episódio ainda deixou mais 10 trabalhadores feridos.
    Levando-se em consideração as relações conflituosas entre libertários e comunistas a mais de uma década, a presença do anarquista Edgard Leuenroth em uma reunião organizada pelo isolado PCB revela um momento de necessidade de alianças táticas acima de sectarismos:
Apesar de haver dados no prontuário do DEOPS/SP de Edgard Leuenroth mostrando que ele participou, em 03 de novembro de 1933, como orador de uma reunião promovida pelo Comitê Antiguerreiro e que conseguiu, inclusive, conter os ânimos dos “stalinistas” e “trotskistas” que partiram para a violência física durante esse encontro, a posição dos anarquistas e também da Federação Operária de São Paulo (FOSP) com relação a essa organização era de clara oposição. (RODRIGUES, André; 2017, p.91)
    Os integralistas da AIB haviam desmarcado uma manifestação em dezembro de 1933 porque os antifascistas estavam preparando uma contramanifestação, porém em 1934 os integralistas estavam crescendo, promovendo grandes manifestações no Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outras localidades. Uma manifestação integralista em Baurú terminou em violência.
No dia 3 de outubro, na cidade de Bauru, interior de São Paulo, ocorreu um violento conflito. Para esse dia, uma quarta-feira, feriado nacional em comemoração ao aniversário da Revolução de 30, havia sido agendada uma “palestra doutrinária” a ser ministrada pelo líder nacional da AIB, Plínio Salgado, cuja visita era prevista há meses pelos jornais locais.
O Sindicato dos Empregados e Operários da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil marcou uma “assembléia geral extraordinária” às 19h, ou seja, uma hora antes da palestra integralista. Nessa mesma hora iniciou-se um desfile integralista que, saindo da sede local da agremiação, acompanhada por tambores e taróis, buscou Plínio Salgado no hotel no qual estava instalado para levá-lo ao local da palestra — o que era uma praxe da AIB.
Durante o trajeto o desfile passou a ser admoestado por populares que gritavam palavras de ordem antifascistas. Os ânimos foram se exaltando até que, numa determinada rua, estourou um violento tiroteio sem origem definida que resultou em um morto (Nicola Rosica) e quatro feridos, todos integralistas.” (CASTRO, Ricardo Figueiredo de; 2002, p. 374 e 375)
    Neste mesmo mês, um comício socialista em Fortaleza, Ceará, foi dissolvido “a cacetada e a bala” por integralistas, deixando um ferido. (RODRIGUES, Edgar 2005, p.92)

 

Desenho em A Plebe, 29/10/1934, p.01.

 

    A “batalha da praça da Sé”

    No final de 1934, os integralistas marcaram uma pretensa “marcha sobre São Paulo”, a partir de uma concentração na praça da Sé, onde jurariam fidelidade ao líder. Assim como na Itália, a marcha simbolizaria uma ocupação da cidade.
Essa marcha integralista estava marcada para o dia 7 de Outubro de 1934. Os anarquistas organizaram-se para os enfrentar e combinaram também um acto para a Praça da Sé nesse mesmo dia. O Jornal “A Plebe” que divulgava já a ascensão do fascismo divulgou também esse ato anarquista. Para esse confronto, os companheiros anarquistas disseram que estariam lá nem que fossem mortos. (CUBERO, Jaime. In: FERREIRA, J. M. Carvalho; 1997)
Jaime Cubero, que na época era uma criança, porém logo jovem viria a se tornar companheiro de luta e de vivências de muitos dos participantes daquela resistência, salienta:
Fica claro o quanto de vazio e inconsistente é todo o conteúdo dos pronunciamentos em nome de uma frente única. Segundo o depoimento de Pedro Catallo, apareceram na assembléia, além dos libertários, duas pessoas de outras correntes. (CUBERO, Jaime; 2º edição, 2017, p.209)

 

Integralistas em congresso. Fonte:https://imagohistoria.blogspot.com/2009/05/movimento-integralista.html

 

Tropas em 7 outubro 1934. fonte: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2017/03/22/batalha-da-praca-da-se-ou-a-revoada-das-galinhas-verdes/

 

    No dia previsto os integralistas se reuniram, trazendo inclusive pessoas de outras localidades para o aparatoso desfile. Teoricamente “500 guardas verdes” viriam do Rio de Janeiro sob o comando de Gustavo Barroso e o governo da capital mobilizou “forte contingente policial, o coronel Arlindo de Oliveira tinha 400 homens do 1º, 2º e 6º Batalhões de Infantaria, do Corpo de Bombeiros e Regimento de Cavalaria” (RODRIGUES, Edgar 2005 p.96) Os antifascistas iriam denunciar, posteriormente, a cumplicidade da polícia e o patrocínio do armamento integralista pela embaixada alemã.
    O que se sucedeu foi relatado nas páginas de A Plebe:
Narrando os Acontecimentos do dia 7
Embora já estejam no conhecimento de todos pelas notícias dos jornais diários que, mais ou menos verídicas, refletem, entretanto, o aspecto geral do sucedido, vamos descrever, sucintamente os acontecimentos de domingo.
Como se sabe, os antifascistas de São Paulo, embora colocados em campos diversos nos seus pontos de vista político, ideológico e filosófico, haviam anunciado, por meio de boletins que foram profusamente distribuídos, uma demonstração pública de repulsa ao integralismo, para a qual convidavam o povo a comparecer na Praça da Sé, justamente na mesma hora em que deveria realizar-se a concentração dos “camisas verdes”.
Efetivamente, aquela hora as ruas centrais encheram-se de povo, que, vendo tomada a Praça da Sé pela cavalaria, não podendo, portanto, reunir-se para manifestar os seus sentimentos de aversão ao fascismo, foi-se aglomerando nas circunvizinhanças, forçada a assistir ao desfile dos “camisas verdes” que passavam arrogantemente, com ares de desafio, pela ruas do triângulo.
Quem ouvisse os comentários e percebesse o nervosismo que se manifestava em todos os que assistiam a essa demonstração de exibicionismo, fácil lhe seria calcular o que ia suceder. As expressões de revolta, os ditos e chacotas que se ouviam traduziam um estado de ânimo e disposição na massa popular que não deixava dúvidas. Foi o que sucedeu.
O Aparecimento dos “Camisas Verdes” na Praça da Sé.
Os jornais faltam à verdade afirmando, em suas notas de reportagem, que as moças integralistas e as crianças que faziam parte da manifestação foram recebidas à bala quando entraram na Praça da Sé.
Pudemos observar que o povo não molestou as mulheres nem as crianças que se conservaram na Praça, sem a menor novidade, até que, marchando arrogantemente, apareceram as famosas “tropas de choque” da macaqueação fascista.
Estas sim, quando apareceram na Praça, o povo, não podendo conter-se ante a insolente exibição, recebeu-as à bala.
Os Primeiros Tiros
Outra versão dos acontecimentos que também não reflete a verdade é na parte que se refere à localização dos primeiros disparos.
As buscas dadas pela polícia nos prédios das imediações, conforme nota das próprias autoridades, negam que os antifascistas estivessem localizados nos prédios e atirassem das janelas.
É uma desvirtuação dos acontecimentos propositadamente feita para justificar o fracasso e a vergonhosa debandada dos “camisas verdes” durante o tiroteio.
Ao ouvirem-se os primeiros tiros, que foi a primeira manifestação de desagrado popular, não foi mais possível localizar os pontos de ataque.
Os integralistas, que estavam armados, contra as disposições da lei e da Constituição que, nesse caso, só se aplica aos trabalhadores, dispostos a continuar a afronta, continuaram no local e puxaram as armas para atacar os populares.
Isso irritou ainda mais os ânimos, seguindo-se uma verdadeira explosão.
O Tiroteio
Começou, então o tiroteio. As balas sibilavam em todas as direções, vindas de todos os pontos da Praça, das esquinas das ruas, das portas dos prédios, onde se entrincheiravam grupos de pessoas armadas que atiravam contra os “camisas verdes”.
Ouviram-se estrondos semelhantes ao das granadas de mão e parece que, de fato, foram empregadas no combate, pois foram encontrados estilhaços na Praça da Sé.
A polícia que fazia a guarda do local, e as praças de cavalaria, atiravam sem rumo, tomadas de surpresa os “camisas verdes”.
Aí começou a debandada dos “camisas verdes”, que, descontrolados, mandando às favas a voz de comando e a disciplina, sem mesmo se lembrarem que foram ali para jurar fidelidade ao seu “chefe nacional”, corriam abandonando as bandeiras da sigma e até os tambores de marcar passo…
Os automóveis fechados eram disputados e os “camisas verdes” começaram a ser motivo de chacota e a tornar-se indesejáveis.
O tiroteio estendeu-se ao Largo de São Francisco, onde os integralistas se lembraram de que haviam prometido beber o sangue dos “comunistas”.
Enquanto isso, vários eram já os integralistas feridos e alguns mortos haviam tomado na refrega.
Ante a nova investida dos antifascistas a debandada foi geral. Grupos de “camisas verdes” desciam as ladeiras Porto Geral, Ouvidor, Rua Líbero, procuravam refúgio atrás dos automóveis e nas casas. Muitos foram os que arrancaram a camisa e ficaram em camiseta de esporte, vendo-se, ao cair da tarde, e à noite, magotes de rapazinhos cheios de medo, que vieram do interior pensando que vinham para uma festa.
Os Mortos
Entre os mortos figuram os agentes da polícia, Hernani de Oliveira e José M. Rodrigues Bonfim; os integralistas Jaime Guimarães, Caetano Spinelli e consta que morreu também o integralista Teciano Bessornia. Tombaram mortos, também o guarda civil Geraldo Cobra e o estudante antifascista Decio P. de Oliveira.
Houve 31 feridos gravemente, e uma centena de pessoas receberam contusões em virtude das correrias e da confusão que se estabeleceu.      (A PLEBE, 13:11:1934 n73 ano II da nova fase)

 

Pessoas se protegem dos tiros. Fonte:https://jornalggn.com.br/historia/a-revoada-dos-galinhas-verdes/

 


A PLEBE, 13:11:1934 n73 ano II da nova fase
    O jornal anarquista mencionava, ainda, outras manifestações frustradas dos integralistas “Os integralistas foram surrados em Niterói, em Campos, em Teófilo Otoni, em Baurú, em Belo Horizonte, em todas as partes, enfim, onde se têm apresentado.” (A PLEBE, 13:11:1934 nº73 ano II da nova fase)

 

Integralista ferido. Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Integralista_ferido_na_Pra%C3%A7a_da_S%C3%A9,_1934.jpg

 

    Os jornais dos protagonistas envolvidos, por motivos óbvios, não deram nomes ou detalhes que pudessem os comprometer legalmente. Como pode ser visto acima, nomeia os protagonistas como “o povo”. Algumas outras versões, entretanto, viriam carregadas de polêmica, como aponta Jaime Cubero:
Os anarquistas esperaram que mulheres e crianças passassem e depois… tendo um dos companheiros – Simão Rodovich (sic.) percebido que havia metralhadoras que estavam prontas a disparar sobre os operários, ele toma conta de uma delas e começa então um tiroteio enorme. Morreram 6 pessoas, muitas delas ficaram feridas e algumas morrendo depois devido aos ferimentos, mas o que é de salientar é que houve uma debandada enorme, a passeata dos fascistas abortou. Isto para demonstrar que o movimento anarquista não morreu, a manifestação de 1934 demonstra que ele estava bem vivo.
Havia uma revista do Partido Comunista da época “Divulgação Marxista”, que era suspeita quando dava dados. O Partido Comunista não chegava na altura a ter 1000 filiados no partido, contudo chegaram quase a dizer que tinham sido eles a enfrentar os integralistas. Irónico não é? Em contrapartida a Federação Operária de São Paulo tinha mais de 80 sindicatos que não pertenciam ao Estado. (…)” (FERREIRA, J. M. Carvalho. 1997)
    José Carlos Morel, em seu artigo pela ocasião da morte do anarquista Antonio Martinez, trouxe mais detalhes sobre a tomada do ninho da metralhadora, que estava instalada no flanco esquerdo da escadaria da catedral, que estava em construção.
Os integralistas então organizaram sua passeata colocando à frente mulheres e crianças, com o fim óbvio de utilizá-las como escudo, e visavam entrar na praça pelo seu flanco direito. Alguns batedores operários, postados no alto dos prédios, prontamente perceberam a manobra e como resposta abriram suas fileiras em duas colunas, de modo a permitir a passagem do escudo, mas fechando-se num forte movimento de pinça sobre os flancos dos integralistas.
Havia, entretanto, um inconveniente maior nesta tática: ao praticarem-na, os operários exporiam necessariamente sua retaguarda ao ninho de metralhadoras e seriam facilmente varridos, sob o pretexto de controlar o tumulto. Foi então que alguns companheiros mais experimentados, tendo à frente João Perez e o ucraniano Stepanovitch, propuseram-se a assaltar o ninho, o que conseguiram com sucesso e discretamente. Garantidos em sua retaguarda puderam deste modo dar seqüência a sua tática. Os integralistas, confiantes no seu escudo humano e no apoio tácito das forças da ordem, foram apanhados em uma ratoeira. Contava o companheiro Martinez que depois de uns dez minutos de tiroteio começaram a debandar, alguns até “esquecendo” mulher e filhos. Faziam qualquer coisa para se desfazer de suas camisas verdes. Alguns, por falta de conhecimento da cidade, ao invés de se retirarem para a Vila Buarque, de onde vieram, lançaram-se em cheio sobre a Avenida Rangel Pestana, caindo totalmente desbaratados nas vielas operárias do Brás, outros literalmente tomavam de assalto bondes e táxis, qualquer coisa que os pudesse levar para longe da Sé. (MOREL, José Carlos; 2002, p.29 e 30)
    Além de Stepanovitch e Antonio Martinez, ficaram registrados os nomes de algumas figuras conhecidas do anarquismo na cidade, como Edgard Leuenroth, Pedro Catallo, Rodolfo Felippe, Gusmán Soler, Hermínio Marcos (SILVA, Rodrigo da Rosa; 2005 pag. 64), Oreste Ristori, Manuel Marques Bastos, além da atuação destacada de Juan Perez Bouzas, sapateiro galego e do “lendário anarquista russo”, Simón Radowitzky que teriam tomado a metralhadora da polícia, voltando-a contra os fascistas.

 

Edgard Leuenroth, preso em 1917. Fonte: https://anarquismosp.wordpress.com/2015/11/18/memoria-edgard-leuenroth-1881-1968/

 

    Simón Radowitzky já havia justiçado o chefe de polícia Ramón Lorenzo Falcón e seu secretário, responsáveis pela brutal repressão a manifestação da Federacion Obrera Regional Argentina (FORA) em 1909 e que havia vitimado 8 anarquistas, ferido dezenas e encarcerado 16. Depois de penar por 22 anos na prisão de Ushuaia, Simón Radowitzky teria ido ao Uruguai e para o Brasil, depois ainda iria para a Espanha, dois anos depois, lutar na 29° divisão, de Gregório Jover e dos anarcosindicalistas da Confederación Nacional del Trabajo (CNT). Com a vitória dos fascistas, atravessou os Pirineus e ficou no campo de concentração de Saint Cyprien, na França. Posteriormente morou no México até falecer.

 

Simón Radowitzky. Fonte: http://www.lavanguardiadigital.com.ar/index.php/2018/11/15/simon-radowitzky-en-demanda-de-lo-imposible/

 

Juan Peres Bouzas. Fonte: Informativo Libera – Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres CELIP-RJ, ano 5, nº53 1985.

 

    O comunista Mario Pedrosa foi ferido e o estudante comunista Décio P. de Oliveira morreu baleado.
    Manuel Marques Bastos deu um depoimento em 1969, registrado por Edgar Rodrigues, sobre o plano dos anarquistas e afirmou que pretendiam também empurrar um bonde com dinamite em direção das tropas integralistas, mas que foram frustrados por uma delação e consequente ação da polícia. A luta entre anarquistas e integralistas, ainda segundo ele, teve lances dramáticos e sangrentos até 1937. (RODRIGUES, Edgar 2005 Rebeldias, volume 3. São Paulo: Opúsculo Libertário.)

 

    Continuação da luta

    Em seguida ao dia da batalha, a polícia prenderia militantes libertários, invadiria e fecharia a sede da FOSP, que foi lacrada. Os anarquistas Natalino Rodrigues e João Peres foram presos. Os anarquistas também denunciavam a participação cúmplice da polícia no dia 7.
Os anarquistas, subsequentemente, trataram de reorganizar a FOSP e buscar formas de auxiliar os militantes que foram presos em decorrência da luta antifascista, chegando até mesmo a criar o Comitê Pró Presos Sociais, que realizou algumas atividades festivas voltadas a arrecadar fundos de auxílios aos companheiros encarcerados e aos seus familiares. (Rodrigues, André ; 2017, p.97).

 

Desenho em A Plebe, 10 nov. 1934.

 

    Em 1936 Oreste Ristori seria preso, conduzido e entregue ao governo fascista em Gênova. Na ocasião, conseguiu escapar e passou então algum tempo em Empoli. Ainda no mesmo ano iria para a Espanha, lutar contra o fascismo nas brigadas anarquistas. Manteve correspondência com sua companheira Mercedes com intenção de voltar a América Latina. Com a vitória de Franco, fugiu para a França, mas foi deportado para a Itália.

 

Oreste Ristori. Fonte: http://www.toscananovecento.it/custom_type/oreste-ristori-una-storia-antifascista-tra-toscana-e-sudamerica/

 

    Na Itália, assim que caiu o governo de Mussolini, em 1943, foi preso durante manifestações nas ruas . Ao chamar um oficial que o conduzia de “gelataio” (frígido) foi acusado de injúria. Em dezembro de 1943 foi fuzilado junto com o anarquista Gino Manetti e mais 3 comunistas. Dizem que morreu fumando cachimbo e cantando a internacional. (LIPPI, Furio; Toscana Novecento)

 

    Decadência do integralismo e guerra mundial.

    Os integralistas sofreram um duro golpe que iniciaria sua decadência, estavam desmoralizados nos seus valores militaristas e autoritários, mas não estavam destruídos. O líder da milícia da AIB, Olímpio Mourão Filho, por exemplo, elaborou o plano Cohen, com o qual o seu aliado Getúlio Vargas, por meio de um falso clima de instabilidade e conspiração, criou pretextos para justificar um golpe de estado em 1937, instaurando a ditadura do Estado Novo. Mourão Filho viria ainda a ser um dos protagonistas do golpe militar em 1964, no comando da IV Região Militar, no Estado de Minas Gerais. (edit.)
    Getúlio Vargas, no entanto, trairia os seus aliados integralistas e os colocaria na ilegalidade. Os integralistas tentariam um golpe para assumirem o poder em 1938, invadindo o Palácio Guanabara com 30 integrantes armados para assassinar Vargas. Em consequência desta briga pelo poder Getúlio fuzilaria e prenderia vários integralistas e Plínio Salgado iria para o exílio em Portugal. Posteriormente seria deputado federal por duas vezes.
    Em 1936 uma grande guerra fascista teria início na Europa com a tentativa de golpe militar dos fascistas espanhóis, fracassada principalmente pela resistência dos anarcosindicalistas da Confederacion Nacional del Trabajo (CNT). As forças armadas de Hitlher e Mussolini prestariam auxilio desde início e de forma crescente, atuando de forma decisiva naquele conflito. A história mais comumente reproduzida, no entanto, é contada pelos vencedores, principalmente EUA, União Soviética e Inglaterra. que preferem interpretar que a segunda grande guerra mundial começou somente depois da invasão da Polônia, apagando também a heróica resistência da Abissínia, a invasão da Albânia, a anexação da Áustria, da Checzlováquia e outros conflitos como a guerra do Japão contra a União Soviética e contra a China.
    Estes mesmos países, depois de contemporizarem, apoiarem e até mesmo fazerem alianças e tréguas com Hitler, declararam guerra ao eixo. Para eles, a guerra na Espanha foi uma guerra civil interna, a despeito também dos muitos voluntários internacionais libertários, socialistas e de outras correntes políticas do mundo inteiro que se juntaram a guerra na Espanha para barrar o avanço do fascismo.
    O artigo “A Luta Antifascista” de Edgard Leuenroth, reproduzido no seu livro de 1963, aponta a participação anarquista entre os antifascistas não só do Brasil:
A LUTA ANTIFACISTA
— Os anarquistas não consideram o fascismo como fenômeno local adstrito a este ou àquele país, mas como manifestação internacional de sintoma de decomposição do regime capitalista, que, por esse meio, pretende fazer perdurar o domínio de seus privilégios, esmagando, pela reação feroz, todas as aspirações de bem-estar e de liberdade do povo trabalhador.
Por isso, a luta contra o fascismo é a luta contra o regime capitalista. Não é, portanto, possível a união dos anarquistas com os elementos que, embora tenham transitoriamente interesses diversos aos do fascismo, na campanha contra o mesmo pretendem apenas arredá-lo do caminho que devem percorrer em busca do poder.
Na luta franca, sem tréguas, contra o fascismo, os anarquistas poderão encontrar-se lado a lado com outros elementos, sempre, porém, com independência de ação e não para conservar o regime que deu origem a essa forma requintada de poder e reação, mas para abatê-lo e favorecer a campanha libertária.
Quando o fascismo surgiu em organizações nacionais, estrangulando todas as aquisições libertárias, encontrou os anarquistas em plena luta contra todos os elementos que lhe deram origem: princípios reacionários, sistemas totalitários e aventureiros em busca de domínio político.
No combate às hordas fascistas os anarquistas não são combatentes de undécima hora. Enfrentam-nas decididamente desde o início de sua obra vandálica, dando-lhes batalha sem trégua, por todos os meios e em todos os momentos, em toda parte, fornecendo o maior contingente de perseguidos e de vítimas, que encheram prisões, que povoaram lugares de degredo e campos de concentração, e de perdas de vidas dos que tombaram nos embates sangrentos.
Assim foi na Itália e na Alemanha, em Portugal, na Espanha, na Argentina, e assim aconteceu onde quer que o fascismo tenha aparecido. Naturalmente, outra não podia igualmente ser a atitude dos anarquistas do Brasil. Recorrendo-se ao noticiário dos diários, folheando-se as coleções da imprensa libertária, ter-se-á conhecimento dos esforços que os anarquistas vêm desenvolvendo, ininterruptamente, na campanha antifascista.
Nessa luta continuam empenhados os anarquistas, denunciando e combatendo todas as manifestações de caráter fascista.
Quando constituía perigo, quando era crime combater o fascismo, os libertários jamais interromperam a campanha contra esse elemento liberticida, aqui representado pelo integralismo, que tem nos anarquistas o seu maior e decidido inimigo. Anos após anos, a luta antifascista vem sendo sustentada por todos os meios, pelo movimento libertário, sempre vigilante à frente da agitação, como promotor ou participante.
Na crônica da luta antifascista no Brasil figuram os anarquistas em lugar de destaque com sua atividade em conferências, manifestações e comícios nem sempre pacíficos, bem como através de todos os meios de publicações. (LEUENROTH Edgard; 1963, p.111-113)

 


Edgard Leuenroth. Fonte: http://jornaldapuc.vrc.puc-rio.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=5281&sid=24

 

    Sobre a suposta existência de muitas versões.

    As versões mais famosas sobre a batalha são os relatos de Fúlvio Abramo e de Eduardo Maffei, respectivamente representando o Partido Comunista e uma dissenção comunista chamada Liga Comunista Internacionalista. A edição do relato de Abramo, feita pela Veneta, em 2014, inclui também o depoimento dos comunistas Hermínio Sacchetta e Mario Pedrosa, publicados na revista Isto É. Como podemos observar no estudo de Ricardo Figueiredo de Castro, que se debruça sobre as mesmas fontes que menciona a seguir, quaisquer versões dos anarquistas sobre os eventos, em tese não existiria:
    É interessante notar que os únicos depoimentos nos quais se relacionam diretamente o contracomício antifascista com a FUA são de autoria de Fúlvio Abramo, ambos realizados em 1984: seu trabalho, publicado nos Cadernos Cemap, e a entrevista que concedeu à Folha de S. Paulo neste mesmo ano. Esses textos e o trabalho de Maffei, de 1984, são os três únicos relatos minuciosos e contextualizados do episódio. Cada um deles defende a posição da organização ao qual pertenciam — LCI e PCB, respectivamente. Eles propõem teses excludentes quanto ao papel da FUA no evento e quanto à paternidade da convocação dos antifascistas. Cada um reproduz os argumentos que, à época, o PCB e a LCI faziam, ou seja, que a convocação teria sido feita pelo PCB ou pela FUA, respectivamente.(CASTRO, Ricardo Figueiredo de; p.375)
    O mencionado trabalho, por sua vez, refuta uma suposta liderança da FUA ou participação armada dela na contramanifestação, assim como o suposto plano do tenentista João Cabanas, membro do partido socialista.
    A metralhadora, em qualquer uma destas versões, teria disparado sozinha, seja por tropeço de um cavalo ou de traseuntes, versão essa reproduzida em jornais e refutada pelos próprios integralistas.
    O livro de Maffei descreve que Décio Oliveira estava discursando quando tomou um tiro na nuca. Fúlvio Abramo narra duas investida dos integralistas atirando, entre as quais teria tentado socorrer Décio e Mario Pedrosa relata ter sido ferido ajudando-o.
    Os antifascistas não seguiram o susposto plano de Cabanas, nem se concentraram em matar o líder dos integralistas, que seria supostamente a sua maior ambição. A polícia claramente ficou do lado dos integralistas, a despeito da versão segundo a qual este tenentista teria conquistado a cumplicidade da tropa, como sustentado por Maffei e Hermínio Saccheta, que por sua vez atribui a simpatia a “se não me engano”, Miguel Costa.
    Na fotografia que mostra a debandada da parte da frente da igreja (capa), vê-se claramente multidão integralista correndo em direção ao canto onde o trabalho de Maffei aponta como a área onde estariam os 40 atiradores de João Cabanas, inclusive o mais preparado, que atiraria contra o líder Plínio Salgado. Nada disso aconteceu.
    Os anarquistas já haviam se decepcionado com a traição de um militar na tentativa de insurreição de 1919 no Rio de Janeiro e propuseram-se a atuar junto as forças da revolução de 1924 se houvessem aceitado constituírem um batalhão independente, sob comando próprio, inclusive sofreriam muita repressão pelo manifesto. O histórico do movimento, portanto, era de atuar de forma organizada e estabelecendo alianças táticas, porém nunca submisso a outras organizações.
    De resto, as versões dos mencionados documentos, apesar de distorcerem claramente os fatos e disputarem narrativas fantasiosas sobre supostos postos de mando, reconhecem a participação dos anarquistas e de reuniões preparatórias na sede da FOSP. Os anarquistas, segundo Maffei “bateram-se contra os integralistas e a polícia civil como leões” e “na luta se cobriram de glória”. Não poderiam faltar as desonestidades intelectuais ao se referir aos anarquistas como aversos a organização e tentarem apagar o Comitê Antifascista.
    Desde o começo de novembro de 1934 os comunistas usaram o a figura do cartunista Tobias Warchavsky, como a de um mártir antifascista. O corpo do membro da juventude do partido havia sido encontrado desfigurado e decapitado no Morro dos Macacos, na Estrada da Gávea e eles acusavam a polícia política de Vargas. Na verdade, Warchavsky havia sido executado pelos próprios colegas de partido, que em um julgamento interno haviam o considerado, equivocadamente, um informante da polícia. A verdade viria a tona com a abertura dos arquivos do próprio Comintern (CASTRO, Ricardo Figueiredo de; p.387) A maioria das versões, no entanto, reproduz este engano.

 

    Comentário:

    A internet e os noticiários documentam a continuação das lutas antifascistas até a atualidade, onde ainda se destacam as atuações dos anarquistas. Para decifrar os fatos por trás das mídias, no entanto, recomenda-se conhecer a versão dos libertários sobre os eventos nos quais estiveram envolvidos ou foram protagonistas. Normalmente a polícia ou adversários políticos divulgam versões superficiais ou intencionalmente enganosas sobre este movimento. Frequentemente a luta é taxada de briga entre gangues ou grupos rivais do submundo.
    As distorções e mentiras dos outros “socialistas” em relação à história do anarquismo brasileiro nas primeiras décadas do século XX, por outro lado, costuma ser apresentada muitas vezes sem os nomes das organizações e seus feitos são minimizados, como fazendo parte de um período ingênuo do proletariado, antes da revolução russa, quando então finalmente chegariam os esclarecidos partidos comunistas para encherem os debates de jornais e encontros. É frequente a afirmação de que os primeiros direitos trabalhistas foram concedidos pelo regime de Getúlio Vargas.
    Frequentemente a imprensa ou os fascistas se referem aos anarquistas como comunistas. Apesar de muitas vezes o serem de fato, tal denominação, sem mais explicações, está mais associada as correntes autoritárias e ditatoriais, principalmente devido a história do estado da União Soviética, causando confusão quando se refere aos comunistas libertários, que já eram rompidos com os autoritários desde a Associação Internacional dos Trabalhadores.
    Por outro lado, a corrente ditatorial ou bolchevista do socialismo, depois da queda do muro de Berlim mudou o seu discurso de representantes do “socialismo real” e entre suas revisões e tentativas de refundação teórica, alguns inventaram o anarco-marxismo, procurando se apropriarem do movimento que sempre combateram e traíram, ou no mínimo, destituí-lo de sentido, neutralizando-o com um revisionismo gritante ou engano já secular. Os social democratas por outro lado, conquistando a desilusão do povo em relação a pseudo-representantes reformistas e eleições, fazem coro com ideias de reformas para uma “democracia participativa” e tentam relativizar o termo “libertário”, não mais o associando a desvios pequenos burgueses ou liberalismo.
    Como disse Edgard Leuenroth, já na década de 60: “os anarquistas sentem-se autorizados, pelo exame dos acontecimentos, a afirmar que nada há nos seus princípios que careça de revisão. Mantêm-se íntegra, agora como sempre, a estrutura político-econômica, social, filosófica e moral do anarquismo, bem como seu método de ação direta na luta destinada a acabar com o domínio do capitalismo e do Estado, para a implantação do regime libertário, única forma social que poderá proporcionar à humanidade o bem-estar e a liberdade que vem buscando através dos séculos”. (LEUENROTH, Edgard; 1963 p. 3)
    É importante observar que a história do movimento anarquista em São Paulo e no mundo não se limita a autodefesa contra investidas fascistas e estatais, pelo contrário. Os anarquistas, diferente da maioria das ideologias políticas, não pretendem construir uma sociedade baseando-se na violência e na coerção para estabelecer regimes. Utilizam-se da violência organizada dos de baixo contra a violência dos de cima, somente como último recurso de defesa, enquanto que a violência é intrínseca a todo o sistema capitalista em todos os tempos.(LEUENROTH, Edgard; 1963 p. 87)

 

Adelino de Pinho e uma turma de uma “Escola Moderna” em São Paulo. Fonte: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/iconograficos/educacao_anarquista.html

 

    Todas as iniciativas educativas, artísticas, sindicais, bairristas, políticas e culturais construídas, no entanto, sofrem constantes ataques previsíveis dos grandes e pequenos poderes constituídos que são incomodados. Não confiando a defesa de seus direitos e de sua integridade física totalmente nas mão da polícia e do Estado, que normalmente atua criminosamente do lado dos fascistas, entenderam bem rápido e duramente, os libertários, que precisam se preparar de forma independente para se defenderem de grupos intolerantes que propagam ideologias de ódio, violência física e assassinato de opositores políticos, anarquistas, comunistas, imigrantes, negros, nordestinos, indígenas, pobres, homossexuais, maçons, ambientalistas, deficientes físicos, jornalistas ou quaisquer minorias usadas como bode expiatório, como elementos de manipulação de massas ou que simplesmente apresentam um obstáculo.
    Se esses grupos fascistas, que covardemente só agem em desigualdade de condições muito favoráveis a eles, encontrarem terreno fértil para ondas massivas de suas manipulações e autoritarismos, sem resistência alguma por parte do povo, podem se estabelecer em postos de mando nos topos da pirâmide estatal, que tanto almejam e gozarão de poderes enormes para impor seus sistemas e ideologias macabras.
    Não ambicionando a conquista do poder estatal e denunciando o caráter predominantemente classista e racista da atuação da polícia paulista e brasileira, não vêm os libertários legitimidade no monopólio do poder de violência por parte dos Estados, das empresas de segurança, políticos, latifundiários, ruralistas, juristas e classe rica. O genocídio da população negra e pobre pelo Estado, milicianos e seus protegidos demonstra que “não há direitos para o pobre, ao rico tudo é permitido”. A impunidade de ruralistas, “coronés”, grileiros e madeireiros que contratam jagunços e bugreiros, algumas vezes confessadamente, é alarmante.
    Na legislação atual, estabelecida na Constituição Federal, é reconhecido o direito à legítima defesa e o resultado do referendo de 2005 foi uma esmagadora afirmação, por parte da população, com 63% dos votos válidos sendo a favor do comércio de armas de fogo e munição. A posição mais coerente com os princípios libertários de autogestão e horizontalidade, ao contrário de fazer coro com o discurso impopular da maioria dos candidatos de partidos de esquerda, seria pleitear o direito e conquistar as condições de autodefesa para todas as minorias e movimentos sociais que hoje são impunemente assassinados e espoliados por criminosos que usufruem da cumplicidade estatal e classista dessa sociedade estratificada.
    Os social-democratas e os comunistas autoritários só pensam nas próximas eleições ou nas passadas e no estado como uma solução fácil para o problema da segurança, taxam os anarquistas de baderneiros infiltrados e não aceitam a chamada diversidade de táticas. Enquanto isso, os anarquistas mantêm suas ações diretas nas ruas e nos locais de trabalho, assim como denúncias e publicações visando informar a população e recrutar mais trabalhadores e pessoas do povo em geral, não como subordinados obedientes, mas sujeitos soberanos e conscientes da pertinência da luta antifascista, que é uma luta de todos e todas nós e está ligada a luta pela organização dos trabalhadores, pelo poder do povo e muitas outras. A luta antifascista é uma luta pela liberdade.

 

    Este artigo é dedicado a todos os libertários e libertárias que dedicam tempo, esforço, recursos e disposição para levar adiante as ideias, a memória e as práticas anarquistas.

 

Mais Um Anarquista Sem Amnésia. São Paulo,  junho de 2020.
O email novohorizonte@riseup.net não está acessível. Desculpe por isso. Em breve atualizo aqui.

 

Bibliografia:
ABRAMO, Fúlvio. A revoada dos galinhas verdes. São Paulo: Veneta, 2014.
A manifestação antiintegralista do dia 14 de 1933. Boletim do Centro de Cultura Social de São Paulo, nº26, 2008.
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Frente Única Antifascista (FUA) e o antifascismo no Brasil (1933-1934). Topoi (Rio J.) [online]. 2002, vol.3, n.5, pp.354-388. ISSN 2237-101X. http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X0030050015.
CUBERO, Jaime. Seleção de textos e entrevistas – Centro de Cultura Social -SP, 2015.
FERREIRA, J. M. Carvalho. Jaime Cubero e o Movimento Anarquista no Brasil. 1997. Entrevista disponível em: https://www.nodo50.org/insurgentes/textos/brasil/08cuberoentrevista.htm
LEUENROTH, Edgard. Anarquismo – Roteiro da libertação social, Mundo Livre,1963.
• MALIN, Mauro. Exercícios de memória seletiva. Observatório da Imprensa. 2011. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/imprensa-em-questao/exercicios-de-memoria-seletiva/ Consultado em 15 de junho de 2020.
MAFFEI, Eduardo. A batalha da praça da Sé. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1984.
MOREL, José Carlos. Antonio Martinez, um anarquista. Verve, 2: 20-39, 2002. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/download/4610/3201
RODRIGUES, André. Bandeiras negras contra camisas verdes: anarquismo e antifascismo nos jornais A Plebe e A Lanterna (1932-1935) In. Tempos Históricos, Volume 21. 2o Semestre de 2017. p. 74-106. e-ISSN: 1983-1463
RODRIGUES, Edgar. Rebeldias, volume 3. São Paulo: Opúsculo Libertário, 2005.
SAMIS, Alexandre. Pavilhão negro sobre pátria oliva: sindicalismo e anarquismo no Brasil. In: Colombo, Eduardo (org.). História do Movimento Operário Revolucionário. São Paulo: Imaginário, 2004.
SAMIS, Alexandre. Anarquistas e sindicalistas revolucionários na luta antifascista (1933-1935). In: Vianna, Marly de Almeida; Silva, Érica Sarmiento; Gonçalves, Leandro Pereira (org.). Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.
SILVA, Rodrigo Rosa da. Imprimindo a Resistência: A Imprensa Anarquista e a Repressão Política em São Paulo (1930 -1945), 2005. Disponível em: repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/281753/1/Silva_RodrigoRosada_M.pdf
• LIPPI, Furio.  Oreste Ristori: una storia antifascista tra Toscana e Sudamerica. Toscana Novecento, consultado em junho de 2020. Disponível em: http://www.toscananovecento.it/custom_type/oreste-ristori-una-storia-antifascista-tra-toscana-e-sudamerica/

No Comments

No comments yet.

RSS feed for comments on this post.

Sorry, the comment form is closed at this time.

Powered by R*